26/10/2019
Um aplicativo de celular que mapeia locais que não apresentam acessibilidade adequada e registra as denúncias a partir das experiências e interações de usuários. Uma ideia que por si só já seria incrível, foi recebida com mais alegria ainda no Centro Educacional Edgard Santos por coroar um processo de protagonismo, inovação e envolvimento comunitário. O aplicativo Acessibilidade Melhor Para Todos (AMPT) foi idealizado e realizado por um grupo de alunos de ensino médio e técnico pensando na realidade local, o tradicional bairro do Garcia, em Salvador. Na última quarta (23) o grupo formado por 6 estudantes, principalmente do curso técnico em administração, promoveu uma aula aberta e apresentou aos colegas, pais e convidados o protótipo da aplicação.
O desafio que originou o aplicativo foi lançado pelo programa Oguntec, do Instituto Cultural Beneficente Steve Biko, que fomenta a aprendizagem e apropriação de conhecimento tecnológico por jovens negros de escolas públicas de Salvador. O nome do programa vem do orixá Ogum, conhecido como senhor da tecnologia. Desde 2014 atuando no colégio Edgard Santos, as turmas anuais com uma média 35 alunos do programa procuram responder a desafios concretos enfrentados pela escola e pelo bairro de população majoritariamente negra e socialmente desigual.
Um desses desafios é a falta de acessibilidade, que, conforme explica a estudante do 2º ano do ensino médio, Isabella Souza Santos, não atinge somente deficientes físicos e pessoas com mobilidade reduzida: “Eu também preciso de acessibilidade, não é somente necessária para deficientes e sim para todos. Precisamos dela para garantir um bom convívio. Aqui no Garcia é complicado a questão do transporte porque não tem espaço para o ônibus passar e isso cria engarrafamento; as calçadas são bem altas em relação à pista e aí complica para subir, também não têm piso tátil e as escadas não têm corrimão”, afirma. A apresentação dos estudantes reforçou essa necessidade ao trazer o dado de que o modal de transporte mais utilizado pelos soteropolitanos é a caminhada – e isso não acontece por uma opção à mobilidade ativa e sim por falta de recurso para pagar por transporte.
Durante a aula aberta com o tema inovação da mobilidade urbana para inclusão racial e de gênero a professora de geografia Lorena Cerqueira e a cicloativista e empreendedora Lívia Suarez falaram sobre como os processos de exclusão racial, social e de gênero afetam a mobilidade e o direito à cidade. Com o problema colocado, os estudantes do Edgard Santos demonstraram sua contribuição para interferir e discutir essa realidade, o aplicativo AMPT, e o público pode testar o protótipo apresentado por Isabella e pelo aluno do curso técnico de Administração, Alex Santos Souza.
Quando o aplicativo estiver disponível para ser baixado, os usuários poderão relatar em tempo real a ausência de equipamentos como rampas de acesso ou barra de apoio em banheiros através de comandos simples e usando geolocalização. Um calhamaço de legislação sobre acessibilidade foi estudado e sistematizado pelos estudantes de forma que o usuário possa facilmente apontar as legislações descumpridas escolhendo as opções apresentadas. Além de possibilitar que pessoas com dificuldade de locomoção consultem através de mapa os lugares que restringem ou dificultam seu acesso, o grupo estuda uma parceria com o Ministério Público estadual para enviar as denúncias ao órgão em busca de resolução.
A partir do desafio lançado à turma Oguntec de 2017 de tratar do problema da acessibilidade e com a tutoria dos estudantes da UFBA Igor Bunchaft, Mariana de Paula e Ramon Fernandes, o grupo percou vários passos até consolidar o protótipo apresentado essa semana. Um projeto contendo estruturação da ideia, modelagem e plano de negócio e ciclo de vida de desenvolvimento do aplicativo foi estruturado e o grupo passou a prospectar recursos. “A nossa maior dificuldade foi financeira, porque nós precisávamos dos computadores para começar a trabalhar e não tínhamos recurso para comprar nem pagar as bolsas dos alunos. Aí entrou o Fundo Casa e nós conseguimos”, lembra Isabella. O grupo submeteu e foi um dos 11 selecionados pelo edital Casa Cidades na Região Metropolitana de Salvador, passando a contar financiamento do Fundo Socioambiental Casa, com apoio do Fundo Socioambiental Caixa e da Fundação OAK e articulação local do Gambá.
Segundo Alex Santos Souza, o plano é colocar o aplicativo disponível para download no segundo semestre do ano que vem. “Passamos por um período de incubação e agora poderemos andar com nossas próprias pernas. Vamos correr atrás de novos parceiros, profissionalizar ainda mais nossa equipe e manter o vínculo com o colégio. Queremos criar novos frutos ao redor do que já fizemos”, explica. Mas o caminho trilhado até aqui já enche de alegria a comunidade da escola: “É uma honra estar aqui vendo o resultado do trabalho dos meninos. Não sabíamos a princípio onde o desafio de pensar a acessibilidade no bairro iria nos levar e agora vemos todo esse potencial”, orgulhou-se o professor José Wilson Cerqueira.
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Além de Alex e Isabela o grupo de estudantes é formado atualmente por Heloísa Helena, Pedro Henrique, Sidnei Oliveira, Wagner Santos e contou com a contribuição fundamental dos ex-alunos Alessandra Barreto, Indiara Jéssica, Itércia Borges, Luan Rufino, Monique Santiago, Rodrigo Assis e Rosângela Santos.